Quando Gêrlan Cardoso da Silva teve de escolher o que
prestar no vestibular, viveu uma situação bastante comum: cogitou e até chegou
a tentar um curso da área de exatas (no caso dele, ciências da computação), mas
não passou e acabou desistindo por não ter um bom desempenho em matemática. A
afinidade com as linguagens o levou a escolher letras – curso para o qual foi
aprovado na Universidade Estadual de Alagoas (Uneal). Hoje, formado e feliz com
a carreira de professor, considera que fez a escolha certa. Mas o ‘preconceito’
com os números ficou no passado. “Na escola, só aprendi a matemática que existe
nas provas. Hoje, vejo que ela está em todo lugar.”
A mudança
A visão de Silva sobre a matemática mudou durante um evento
científico da faculdade. Ele foi desafiado (assim como os outros alunos
participantes) a desenvolver uma oficina interdisciplinar. Com seu primo,
estudante de matemática da mesma universidade, criou a oficina “Poesia dos
Números”, voltada a professores de língua portuguesa e estudantes de letras,
com a proposta de mostrar a presença da matemática na metrificação dos versos.
No início, ele conta, foi difícil vencer o ‘preconceito’ que o público-alvo
tinha com os números. “Muitas pessoas entravam na sala para a oficina e, quando
viam que um dos professores era um matemático, saíam sem nem ouvir toda a
proposta.”
Apesar disso, a experiência foi o bastante para mostrar a
ele a importância da interdisciplinaridade – e afastar sua própria desconfiança
com os números. Uniu-se ao primo mais uma vez e preparou outra oficina, da qual
participaram cerca de 30 professores de língua portuguesa. O objetivo era
mostrar como trabalhar a interdisciplinaridade em coisas simples, presentes no
cotidiano dos alunos. “Interpretar um gráfico e escrever um texto sobre ele ou
criar um gráfico apenas tirando informações de um texto mostram a matemática e
a língua portuguesa trabalhando juntas”, exemplifica Silva, que hoje trabalha
como professor de gramática e produção textual na Escola Alternativa de
Arapiraca (AL).
Robótica
Foi também a interdisciplinaridade que fez Vinícius Medeiros
de Souza, formado em letras e professor de língua portuguesa para alunos dos 6º
e 9º anos, desenvolver o interesse pela matemática e por áreas que a utilizam
largamente, como a robótica. “Na época de escola, apesar de não ser mau aluno
em matemática e tirar boas notas, não tinha um interesse especial pela
disciplina”, ele conta.
Isso mudou quando Souza iniciou sua carreira na docência, na
Escola Estadual de Ensino Fundamental João Goulart, localizada em Alvorada
(RS), há três anos. Pouco tempo depois de começar a dar aulas na escola, que
investe em projetos interdisciplinares, recebeu um convite da Secretaria
Estadual de Educação para participar do projeto Roboed, que prepara professores
para darem aulas de robótica. Mesmo sendo professor de língua portuguesa,
resolveu participar.
No curso, pôde aprender princípios de elétrica, eletrônica e
programação, que são repassados aos alunos por meio de oficinas. Hoje, Souza
continua participando de encontros quinzenais com outros professores que fazem
parte do projeto para seguir com os estudos na área e ensina robótica a 14
alunos. “No começo foi bem complexo, pois envolve muito cálculo, que não é
minha formação. Tive de correr atrás e aprender, porque na hora que a gente
propõe algo ao aluno, ele espera credibilidade, espera que você saiba do que
está falando.”
O gosto de Souza pela programação foi aumentando tanto que,
mesmo em seu tempo livre, ele passou a buscar maneiras de aprofundar seus
conhecimentos no assunto, fazendo cursos e assistindo a vídeos. “Esse ramo é
apaixonante. Uma vez que você entra, não quer parar mais. E quando você vê o
resultado, vê o aluno aprendendo, isso estimula ainda mais.” O resultado foi
percebido inclusive pelos professores de exatas da escola, que relataram um
maior interesse dos alunos pelas aulas.
Para Souza, a experiência mudou não só sua relação com a
matemática, mas também a forma como encara a própria educação. “Hoje, enxergo a
educação como um todo, e tento mostrar aos meus alunos como tudo está
interligado.” Gêrlan Silva seguiu pelo mesmo caminho. “Eu sempre busco mostrar
para os meus alunos que a matemática é também uma linguagem. Muita gente tem
medo que disciplinas se confundam, se choquem. Mas, até agora, conseguimos
mostrar que é possível trabalhá-las em projetos conjuntos”
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