Seja pelo
fato da disciplina ter um grande volume de regras, variáveis e exceções, seja
pela metodologia que a matéria é lecionada, o que pode dificultar o seu
entendimento e aplicação, ministrar aulas de Língua Portuguesa é sempre um
desafio para os docentes.
E engana-se quem imagina que essas dificuldades estão
presentes apenas no Brasil. Em outros países lusófonos, como Portugal e
Moçambique, elas também acontecem, mas adaptadas às respectivas realidades.
Essas questões foram discutidas no 14º Congresso de Língua Portuguesa, evento
que conta com o co-patrocínio do SINPRO-SP, e aconteceu no final de abril.
Conversamos com professores destes três países para saber
como está a situação, e quais são as dificuldades, do ensino da Língua
Portuguesa.
Sobre os desafios, um ponto em que todos os docentes
concordam, ainda que com possíveis soluções diferentes, é que a forma de
ensinar a Língua Portuguesa deveria ser modificada.
O Professor Doutor da USP, José Fiorin, acredita que o
conteúdo não pode, ou deve, ser entendido como algo isolado, pois precisa fazer
parte de um todo “Deveríamos formar leitores com proficiência, gente que seja
capaz de produzir, e ler, textos claros e concisos. Hoje o ensino está voltado
para a descrição da Língua. O professor se contenta em suas aulas em explicar a
gramática, explicar o que é análise sintática, sintaxe, e etc.”, conta.
Contudo, a Professora Doutora da Universidade da Madeira em
Portugal, Luísa Marinho Paolinelli, discorda de Fiorin e explica que em seu
país a união de Língua Portuguesa e Literatura afastam o aluno de ambas as
disciplinas e dificulta o ensino. “Em minha opinião pessoal, acredito que
ganharíamos se separássemos o estudo da Língua Portuguesa do estudo do Texto
Literário. A ideia de partir do texto artístico para aprender a sintaxe, a
morfologia, etc. têm duas consequências nefastas: o aluno não gosta de
gramática e o aluno não gosta de literatura. A língua é comunicação e a
literatura é um dos muitos usos da língua.
O que acontece em Portugal é que se anda a ler Camões para
caracterizar o sujeito das orações: se é simples, composto ou nulo
subentendido.Ou para identificar os modificadores, as orações, os verbos e por
aí fora. Para além disso, os escritores e poetas têm toda a liberdade de ser
agramaticais.Vá-se estudar a pontuação a partir de José Saramago e veja-se a
dificuldade” disse.
Fiorin acredita que no Brasil o ensino deveria ser
redirecionado para que toda a aprendizagem esteja voltada ao aluno, “Não
podemos nos restringir a uma gramática de descrições que se esgotam. Precisamos
encontrar meios de ensino que ampliem tanto o conhecimento quando a maneira de
que ele será utilizado. O aluno decora, mas deveríamos ensiná-lo a usar essas
ferramentas, a escrever corretamente a partir delas”. Diz o professor.
Ainda sobre os desafios, a Professora Doutora da
Universidade Federal de Rondônia, Maria do Socorro Pessoa, aponta outra
dificuldade no ensino da Língua Portuguesa no Brasil. Para ela, um dos maiores
problemas está no reconhecimento das diferenças regionais brasileiras. “Penso
que só há uma dificuldade: conscientizarmo-nos de que não podemos insistir no
ensino do Português Europeu. O Português Europeu é apenas a nossa fonte
histórica, de tradição, mas, precisamos considerar nossa multiculturalidade,
nossas imensas variações dialetais, nossa expressividade e sonoridade tão
particularizadoras e tão nossas”
Segundo ela é preciso aproximar o ensino da Língua para a
realidade de cada lugar e assim desmistifica-la, “Precisamos ensinar a Língua
Portuguesa de modo a que nos orgulhemos dela, sem considerá-la complicada ou
difícil. Os cursos que formam Professores precisam modernizar-se… Em todo o
país e não apenas nos grandes centros. Tenho uma proposta de ensino da Língua
Portuguesa cujo material didático seja os mapas geográficos, históricos,
temáticos e políticos, no sentido de que, se visualizarmos nossos lugares e
nossas gentes nesses mapas seremos capazes de ler sobre eles, escrever sobre
eles, conhecer as maneiras particularizadoras de serem”
Tecnologia
Dentro desse processo de reformulação do ensino da Língua
Portuguesa está o uso das novas tecnologias no processo de aprendizagem. O
assunto, devido a sua importância e atualidade, gera opiniões divergentes.
O Professor Catedrático Armando Jorge Lopes, da Universidade
de Maputo, em Moçambique, fala sobre seu primeiro contato com as novas
tecnologias no processo de ensino, e o seu estranhamento diante daquilo.
“Pessoalmente, senti-me violentado com as bruscas
transições, da caneta de tinta permanente e da ardósia quando ensinava, para o
primeiro computador que usei na Inglaterra, gravando somente uma linha por vez
e que pesava uns oito quilos! Depois fui me habituando, embora não totalmente,
aos novos tempos que trouxeram avanços inimagináveis no domínio da
infotecnologia”, conta.
Lopes explica que em seu país o domínio da infotecnologia,
na sua aplicação ao uso de línguas, encontra-se muito no início, contudo
acredita que em breve acontecerão avanços científicos e educativos em
Moçambique. “Para o futuro, acredito com programas de Língua contextualizados à
cultura e realidade moçambicanas. A infotecnologia vai certamente influenciar
no ensino da Língua Portuguesa nos diversos continentes e é melhor
prepararmo-nos para esse efeito”.
Acerca do tema em questão, Fiorin é mais tradicional e
aponta para um importante fato, não se deve apenas sustentar o ensino do
Português na infotecnologia em detrimento da aprendizagem tradicional. “A
tecnologia no ensino da Língua deve vir como ferramenta. É um mito pensarmos
que primeiro vamos usar a tecnologia e depois aprender algo. É um processo
inverso, você primeiro deve aprender a Língua e depois utiliza-la na rede”.
Para a Professora Doutora da PUC e Mackenzie, e organizadora
do Congresso de Língua Portuguesa, Neusa Maria Bastos, os avanços tecnológicos
não podem mais ser ignorados e precisam ser incorporados nas aulas e no
processo de aprendizagem. “A infotecnologia influencia todos os movimentos
humanos hoje em dia, sendo assim, a Língua Portuguesa que é utilizada por
duzentos milhões de falantes deve ser ensinada também se visando à comunicação
via redes sociais, por exemplo. Há um novo registro para essa mídia e isso deve
ser considerado no ensino de língua materna”.
Assim como Bastos, a Doutora Luísa Marinho Paolinelli
concorda que a infotecnologia tem um papel importante. Ela explica que o
advento desses novos recursos representa a queda de barreiras físicas no
processo de ensino e o possível aumento de formas de aprendizagem.
“A tecnologia permite poder chegar a mais alunos em menor
tempo, possibilita a aprendizagem da língua através de meios atraentes e é um
importante instrumento no ensino do Português como língua estrangeira. Haverá,
assim, uma maior facilidade de uso nos vários países da lusofonia das
tecnologias de educação e aprendizagem, com muitas vantagens para os países que
apresentam maiores dificuldades sociais e econômicas”, conta.
Já a Professora Maria Socorro pondera sobre o assunto e
acredita no uso da tecnologia como ponte de troca de cultura e conhecimento.
“Na atual mundialização, uma vez que já ultrapassamos a fase de globalização, é
preciso que usemos, sempre, a infotecnologia no Ensino de Língua Portuguesa
para produzirmos e fazermos produzir novos conhecimentos, inclusive àqueles de
parâmetros de comparação da nossa língua com outras maneiras de expressão dos
povos lusófonos, de modo a sabermos utilizar todo o material de pesquisa e/ou
instrucional à disposição através do manuseio dos recursos infotecnológicos. Ou
ficaremos desatualizados e sem parâmetros de avaliação do nosso fazer
pedagógico” disse Socorro.
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