A Fonoaudiologia enquanto uma disciplina clínica precisa dos subsídios da Lingüística para realizar seus diagnósticos e adequar suas terapias, com mais segurança. Neste sentido, tem se reconhecido importantes contribuições da Fonética, da Fonologia, da Psicolingüística, da Sociolingüística e da Análise do Discurso. Embora essas contribuições sejam grosso modo consideradas importantes, ainda não têm sido suficientes para definir os casos clínicos diante das diversas manifestações e padrões lingüísticos regionais ou não e, por conseguinte, fundamentar os diagnósticos com mais precisão para uma terapia mais eficaz.
“No entendimento de que a teoria lingüística pode oferecer outros subsídios significativos ao tratamento de patologias da fala, estamos iniciando um trabalho de busca de especificidade de sistemas com desvios fonológicos que poderiam vir a configurar-se como”indicadores de desvios”; essa determinação - caso possa ser alcançada – será de extrema valia, pois poderá permitir, além do encaminhamento de uma terapia adequada, o início bastante precoce do tratamento devido, possibilitando a mais rápida eficácia de seus efeitos e a menor extensão de suas conseqüências danosas.” (LAMPRECHT e HERMANDORENA, 1994, p. 43).
Estamos realizando uma pesquisa com crianças de escolas públicas e privadas, nascidas e residentes em Teresina -PI, a fim de tentar definir um quadro referencial do desenvolvimento lingüístico dessas crianças, considerando as suas condições sociais na sua comunidade, levando em conta variáveis tais como idade, escolaridade e exposição aos meios de comunicação de massa da cidade. Leva-se em conta, ainda, a condição social dos seus pais como procedência geográfica, escolaridade, situação econômica e profissional. Nesta comunicação, pretende-se apresentar os resultados dessa pesquisa, esperando que esses dados permitam uma discussão com vistas a contribuir para definir com mais clareza o papel dos subsídios lingüísticos para a Fonoaudiologia.
A Fonoaudiologia vive hoje um momento ímpar de sua história, tanto por estar se consolidando como ciência, quanto por estar definindo seu campo e metodologia clínica, deixando de ser uma ciência dependente da medicina, da psicologia e da lingüística e aos poucos começa a assumir um caráter interdisplinar, em oposição a multidisciplinaridade. Uma disciplina multidisciplinar conta com várias áreas de saber enquanto auxiliares ao passo que na perspectiva da interdisciplinaridade ela começa a se voltar para o seu objeto de estudo a - linguagem e seus problemas - através de vários olhares. Olhares que não são os das outras áreas somente, mas também, visto também a partir da sua perspectiva. Por exemplo, ao constatar um problema de linguagem de natureza clínico como, um freio lingual, após a pequena cirurgia, a terapia pós-operatória não levará em conta apenas medicamentos, tratamento psicológico, mas olhará o problema do ponto de vista da linguagem que produz ou deixou de produzir. Aliás, vai mais longe até para verificar que problema de linguagem, mais do que problema clínico gerou no paciente por falta de orientações lingüísticas adequadas. Não sei exatamente que tipo de orientação, mas já começo a imaginar que conhecendo melhor o funcionamento da linguagem poderia informar ao paciente as conseqüências comunicativas que ele sofreu ou ainda sofrerá até recuperar as articulações fonéticas que ele precisará usar na sua comunicação. Para isso penso que trabalhar o lado afetivo da linguagem, demonstrando as facilidades que poderão surgir, dependendo do tipo de atividade desenvolvida, dos seus interlocutores, suas mensagens e muitos outros aspectos que já começamos a perceber o quanto são importantes em qualquer tratamento de linguagem. Linguagem mais do que de natureza psicomotora ou mesmo cognitiva é profundamente de caráter afetivo.
Em síntese, o que começo a perceber como estudante de fonoaudiologia, nos estágios de já participo é que não se podem tratar os problemas, as patologias simplesmente através de técnicas, de propostas quantitativas. Isso requer uma revisão muito séria porque envolve um nível de compreensão mais geral do conhecimento lingüístico e, sobretudo de sensibilidade humana.
A fim de melhor entendermos a situação atual dessa disciplina, vejamos um pouco da sua história.
Na década de 30 com a grande preocupação da medicina e da educação com a profilaxia e a correção de erros da linguagem apresentados pelos escolares se idealizou a profissão de fonoaudiólogo.
Na década de 60, deu-se início ao ensino da fonoaudiologia no Brasil, com a criação dos cursos da universidade de São Paulo (1961), vinculado a clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1962), ligado ao Instituto de Psicologia.
Nos anos 70, tiveram início os movimentos pelo reconhecimento dos cursos e da profissão. Foram criados então, os cursos em nível de Bacharelado, e o curso da Universidade de São Paulo foi o primeiro a ter seu funcionamento autorizado, em 1977.
Sancionada, em 09 de dezembro de 1981, pelo então presidente João Figueiredo, a lei n° 6965, que regulamentou a profissão do fonoaudiólogo, veio ao encontro dos sonhos de uma categoria profissional, que ensaiava ser reconhecida. Foi determinada a competência do fonoaudiólogo e foram criados os conselhos federal e regionais de fonoaudiologia, tendo como principal finalidade à fiscalização do exercício profissional.
Em 1984, pela Resolução CFFa n° 010/84 foi aprovado o primeiro Código de Ética da profissão, que elencava os direitos, deveres e responsabilidades do fonoaudiólogo.
O crescimento da profissão, a ampliação do mercado de trabalho do fonoaudiólogo e uma maior conscientização da categoria têm levado os Conselhos de Fonoaudiologia à revisão de toda sua legislação.
A área de atuação da atividade fonoaudiológica é essencialmente clínica e nesta área o profissional atua no campo da Saúde em trabalhos de prevenção, diagnóstico e terapia.
Em atividades clínicas, o fonoaudiólogo pode atuar no campo da Saúde Pública (unidades básicas de saúde, hospitais, centros de referências, etc) e privada (clínicas e consultórios particulares). Pode atuar, também, em indústrias nos programas de controle de ruído ambiental e conservação da audição de trabalhadores expostos a ambientes ruidosos.
A partir da formação clínico-terapêutica, o fonoaudiólogo está capacitado, também, a realizar assessoria em atividades que envolvem a prevenção e o aperfeiçoamento de aspectos ligados às áreas da linguagem, voz e audição. O fonoaudiólogo está apto a avaliar, diagnosticar e tratar os distúrbios de linguagem, voz e audição sejam eles de causa orgânica, funcional ou associada a alguma síndrome.
Em atividade de assessoria, podemos destacar a atuação na área pública e privada da Educação, integrando equipes técnicas de escolas comuns e especiais, pré-escolas e creches, assessorando especificamente a área de aquisição e desenvolvimento da linguagem oral e escrita, e na área do teatro e outros meios de comunicação (TV, rádio, etc), realizando trabalhos de expressão vocal de atores e locutores.
Recentemente o fonoaudiólogo já esta se inserindo em novos campos de trabalho como o de motricidade oral em queimados e em clínicas de estética, realizazndo trabalhos com os músculos faciais.
A linguagem é muito importante na vida escolar, já que é neste período que se desenvolve a comunicação e a linguagem, tanto oral como escrita, por esse motivo o fonoaudiólogo tem que estar atento para saber o que é fisiológico ou patológico, qual a origem desses problemas, incluindo o nível social do paciente, seu dia a dia e todo o contexto com o qual se relaciona. O estudo sobre a aquisição da linguagem tem uma longa história, mas ultimamente tem crescido bastante na necessidade de se entender como se dá essa aquisição e tentarmos dar condições para que ela se desenvolva na criança, principalmente aquelas que têm algum atraso e o fonoaudiólogo é “intimado” a resolver. Outro estudo que esta sendo também muito explorado e que é de fundamental importância para o fonoaudiólogo é o desenvolvimento do sistema se sons da criança mostrando as produções e discriminações vocais na primeira infância, ajudando o terapeuta a ter um padrão e a partir dele detectar as distinções lingüísticas nos sons da fala que a criança possa realizar.
Nas patologias da fala, conforme já referimos, a Lingüística tem contribuído muito, pois são a partir dos seus estudos que o fonoaudiólogo descreve e avalia precisamente os desvios fonológicos e a partir daí traça sua terapia mais adequada e eficaz.
A lingüística tem simplificado e otimizado a descrição exata e a avaliação objetiva de sistemas fonológicos com desvios, contribuindo muito para a atuação do fonoaudiólogo.
Vários são os autores que publicaram procedimentos de análise fonológica com desvios. Os mais importantes são: McReynolds & Engmann (1975), Weiner (1979), Hodson (1980), Shriberg & Kwiatkowsky (1980), Ingram (1981) e Grunwell (1985) em inglês.
Traduzido para o português o procedimento “Avaliação Fonológica da Criança” de Yavas, Hernandorena & Lamprecht (1991) tem contribuído bastante para os terapeutas na avaliação das patologias da fala. Esse procedimento dá ao fonoaudiólogo possibilidades ainda mais amplas de analisar o sistema da criança com desvios fonológicos por possuir três diferentes embasamento teóricos - uma análise constrativa, a análise de traços distintivos segundo o modelo de Chomsky & Halle, e a análise de processos fonológicos segundo a proposta de Stamp. Neste caso o terapeuta tem que analisar qual o enfoque teórico para cada caso específico, podendo nos casos mais graves aplicar os três, mais sempre ao lado da análise contrastiva.
Quanto à pesquisa lingüística que estamos realizando na Faculdade, estamos investigando a fala de crianças entre três e sete anos, de ambos os sexos, de escolas públicas e particulares de Teresina, para realizar uma comparando do desenvolvimento das falas e assim obter sugestões para um parâmetro real desse desenvolvimento em crianças de escola particular e pública. De um modo geral, constata-se que os problemas da escola particular quando presentes são logo resolvidos pelos professores que são capacitados, tendo cursos de lingüística, tornando os desvios perceptíveis, o que favorece a proposta de estratégias comunicativas no processo interacional no sentido de solucionando-os, a contento.
As crianças de escola pública, conforme nossa amostra de dados, estão tendo um atraso na aquisição da linguagem e da aquisição de certos fonemas que já deveriam estar internalizados na idade de 5 ou 6 anos.
A maioria das crianças da periferia apresenta afastamento da normalidade, através dos comportamentos de “linguagem” estudadas para a idade. Além de dificuldades de produção de sons e, é claro, possivelmente, também de percepção sonora. As crianças mostraram ainda dificuldade de se expressar e relatar acontecimentos passados.
Foram estudadas as condições sociais da família destas crianças e constatou-se que a dificuldade da maioria não é devido à regionalização apresentada em sua fala e sim a falta de ambiente de estímulo, uma vez que a maioria dessas crianças são filhas de mães solteiras e muitas delas ficam o dia inteiro sozinhas em casa trancadas, sem contato com outras pessoas.
Na nossa faculdade estamos desenvolvendo uma pesquisa mais ampla nas escolas para conhecer melhor o perfil da linguagem das crianças. Aliás, esperamos com essa investigação tentar montar um quadro com os referenciais sonoros, lexicais e até semânticos do desenvolvimento das crianças. Apesar do parâmetro desse trabalho ser as crianças da escola privada que são assistidas pelos pais, que estão expostas aos meios de comunicação de massa e que têm um aparato vocal, dentição, dentro de uma normalidade já esperada.
Vendo o resultado desta pesquisa começo a me preocupar com a avaliação e diagnóstico dentro da clínica fonoaudiológica, onde deve ser feito primeiramente uma anamnese bem profunda a fim de colher dados culturais, sociais destes pacientes e de sua família para identificar a causa de suas dificuldades e, possivelmente, desvios fonológicos ou de qualquer outra alteração presente.
Sendo a linguagem um fator interacional, principalmente entre a mãe e o filho, devemos desde o primeiro contato verificar como se dá essa interação. No momento que o paciente entra no consultório com a mãe, ele já está sendo avaliado. Devemos fazer um apanhado de perguntas sobre o desenvolvimento desta criança, analisando como é sua vida em casa, na escola, se ela brinca, se tem espaço para brincar no colégio em casa ou na rua. Como é sua socialização. Na escola quais suas dificuldades, se o problema detectado esta atrapalhando o desempenho escolar, enfim, investigar toda a vida do paciente. Uma boa avaliação e análise dos dados farão com que o fonoaudiólogo diagnostique a causa do desvio fonológico, e faça sua terapia não só adequada, mas bastante precoce. Por exemplo: se a causa do desvio for à discriminação auditiva o profissional irá realizar atividades que desenvolva essa discriminação e não a motricidade, por exemplo.
No primeiro semestre deste ano foram realizadas pesquisas em várias escolas do ensino fundamental, em especial de pré-escolar, creches e casas que abrigam menores tanto de rua, quanto menores portadores de necessidades especiais. É claro que os problemas de linguagem considerados patológicos estão mais presentes nas crianças de rua e principalmente nos portadores de necessidades especiais. Mas o que nos tem preocupado bastante é com o que consideramos uma certa demora na aquisição de sons por crianças de escolas públicas da periferia quando comparadas com crianças da escola privada. Para se ter uma idéia em 4 escolas da periferia constatou-se que é significativo o número de crianças que aos 5, 6, e até 7 de idade ainda não pronunciam o tap alveolar com valor de [ ] e continuam ainda com a famosa fala de cebolinha, trocando este som pela lateral alveolar com valor de [ l ]. Embora sons vibrantes sejam os últimos a serem adquiridos como mostra a Literatura que trata do desenvolvimento dos sons, no entanto afirma que aos 4 ou 5 anos já são produzidos, como, aliás, verificamos em crianças da escola particular, com as características que já nos referimos.
Então, neste caso, seria possível que essa comunidade social não produza esses sons? Enfim o que estaria ocasionando esse adiamento na sua aquisição? Que respaldo lingüístico teríamos para buscar com mais segurança subsídios capazes de nos ajudar em soluções adequadas dessa situação?
São dificuldades dessa ordem que nos leva a trazer para discutir com os lingüistas os problemas de linguagem.
O ambiente lingüístico da criança pequena tornou-se alvo de exame minucioso proveniente de outra direção nos últimos anos.
Vários estudos têm demonstrado como a incidência de valores fonéticos específicos varia de acordo com a classe social e o grau de formalismo da situação provocadora. Labov (1970) notou como a incidência de traços do inglês como o r pós-vocálico, a terminação –ing átona e a substituição de oclusiva por fricativa varia à medida que difere o status sócio-econômico do falante e também conforme ele esteja falando espontaneamente sobre uma questão emocional ou lendo uma lista de palavras.
Há estudos que dizem respeito às implicações, para a política educacional, que decorrem da conclusão de que as crianças de classe média se saem verbalmente melhor nas situações formais, como as oferecidas pela sala de aulas, do que seus pares de classe baixa. Se as crianças de classe baixa estiverem simplesmente sendo inibidas de exibir, na sala de aulas, uma variante elaborada de fala que são capazes de usar em outros contextos pode-se defender a necessidade de atentar para a eliminação dessa inibição de várias maneiras. Isso pressupõe que a variante elaborada é a que deveria ser favorecida nas escolas, mas as observações de Labov (1970) nos leva a duvidar disso.
“ De um modo geral, a fala de um indivíduo é a marca de sua condição, do seu modo de vida e de sua comunidade ou grupo social ao qual mais significativamente se vincula. Sua fala marca sua condição, ,seja de camponês, agricultor, operário, profissional liberal, professor, aluno, etc.. Também de um modo geral, ,o indivíduo no processo de interação verbal, através da fala, na sua condição, assinala também sua posição relativa frente aos demais indivíduos, seus interlocutores, considerando a condição e a posição destes. Nesta perspectiva, ,a língua ou variedade considerada padrão, ,que é a ensinada nas escolas, está associada às melhores condições de vida econômica e às mais altas posições dos indivíduos na hierarquia social instituída pela condição econômicas”. (Costa, 2000, p. 21).
REFERÊNCIAS
CAGLIARI, Luiz Carlos. Análise Fonológica: introdução à teoria e à prática com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas, SP: Edição do autor, 1998.
CALLOU, Dinnah; LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. Rio de janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.
COSTA, Catarina de Sena S. M. da – Org. Lingüística e ensino de língua portuguesa: sensibilidade cultural e integração didático-pedagógica./ Catarina de Sena S. M. da Costa, Iveuta Abreu Lopes, Maria da Conceição Machado, Zélia Maria José Fernandes dos Reis. Teresina: EDUFPI, 2000.
ELLIOT, J. A Linguagem da Criança.Rio de Janeiro: Zahar Editores S. A, 1982.
LABOV, W. The study of linguagem in its social context. Harmondsworth: Penguin, 1970.
LAMPRECHT, Regina R. e HERNANDORENA, Carmen L.M. A contribuição da Teoria Lingüística à Fonologia com Desvios.Cadernos de Estudos Lingüísticos, 26. Campinas, 1994 (41 a 48).
MAIA, Eleonora Mota. No reino da Fala: A linguagem e seus sons. São Paulo: Ática, 1985.
MARTINS, Maria Raquel Delgado. Ouvir Falar: Introdução à fonética do Português. Lisboa: Caminho, 1992.
PASSOS, Maria C. Fonoaudiologia: recriando seus sentidos. Série interfaces. São Paulo, Plexus Editora, 1996.
SOARES, Magda.Linguagem e escola: Uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1989.
FONTE:
http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Anais/ECLAE_II/A%20importancia%20da%20linguistica/principal.htm
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