As comunidades humanas, desde suas mais remotas origens, sempre souberam
se comunicar oralmente. A fala é talvez a mais importante das características
que distinguem o ser humano no reino animal e que lhe possibilitam se organizar
em sociedade. Nem todas as línguas entretanto chegaram a se desenvolver em
sistemas escritos. Além disso, não há ser humano normal que não saiba falar sem
limitações, porém só recentemente na história da humanidade é que a maioria
começou a desenvolver a habilidade de escrever, muitos até hoje com limitações.
No community has ever been found to lack spoken language, but only a
minority of languages have ever been written down. Likewise, the vast majority
of human beings learn to speak, but it is only in recent years that some of these
people have learned to write.
Língua é fundamentalmente um fenômeno oral. Nunca é demais salientar a
importância da forma oral da língua. A forma escrita é mera decorrência da
língua falada.
A language is a complete, complex, changing, arbitrary system of primarily
oral symbols learned and used for communication within the cultural
framework of a linguistic community.
Hammerly 26, meu
sublinhado
Estudar pronúncia, portanto, é olhar para aquilo que não se enxerga mas
que é a essência da língua.
...speech is therefore the basic form of language. This leads us to the
conclusion that speech should be emphasized in second language teaching...
Hammerly 37
Domínio sobre a língua falada começa com o entendimento oral, e este
começa com o reconhecimento das palavras contidas no fluxo de produção oral.
Conseguir isolar cada conjunto de fonemas correspondentes a cada unidade
semântica (palavra), dentro da sequência ininterrupta de sons no fluxo da
produção oral, é um desafio considerável.
A grandeza deste desafio é melhor compreendida se considerarmos também
que o aparelho articulatório de sons do ser humano (cordas vocais, cavidade
bucal, língua, etc.) mostra-se extremamente limitado quando comparado ao
universo de conhecimento e comunicação criado por sua mente. Para fazer par a
este imenso universo linguístico e poder representá-lo oralmente, é necessário
flexibilizar ao máximo o aparelho articulatório, criando diferenças ínfimas na
articulação de sons, as quais adquirem grande importância e exigem nosso
aparelho auditivo ao máximo.
Além disso, o uso que o ser humano faz de seu aparelho articulatório
para comunicar-se varia consideravelmente de idioma para idioma, o que explica
o porquê de ser na pronúncia que a interferência entre duas línguas se torna
mais evidente e é mais crítica. A interferência fonológica da língua materna na
língua estrangeira que se aprende, na maioria dos casos permanece para sempre,
mesmo com pessoas que já adquiriram pleno domínio sobre o vocabulário e a
gramática da língua estrangeira.
Aquele que fala uma única língua invariavelmente acredita que os sons de
sua língua correspondem a um sistema básico universal de sons da fala do ser
humano. Esta idéia preconcebida normalmente prevalece ao longo do aprendizado
da língua estrangeira e, enquanto persistir, interfere negativamente na
percepção e na produção oral do estudante. Em um artigo (veja bibliografia)
sobre interferência fonológica, Flege escreveu:
Language learners who perceive sounds in the target language to be
phonologically identical to native language sounds (despite possible phonetic
differences between the two languages) may base whatever phonetic learning that
does occur during the acquisition process on an acoustic model provided by
pairs of similar sounds in two languages, rather than on a single language-specific
acoustic model as in first-language acquisition. (443)
Estudantes de
idiomas que acreditam ouvir na língua estrangeira sons quase idênticos aos da
língua materna (apesar de talvez reconhecerem pequenas diferenças fonéticas
entre as duas línguas) irão basear sua pronúncia ao longo do processo de
aprendizado num modelo acústico resultante de pares de sons semelhantes das
duas línguas, em vez de baseá-la no modelo acústico específico da língua
estrangeira, assim como ocorre no aprendizado da língua materna. (443, minha
tradução)
Em palavras simples, o que Flege quer dizer é o óbvio: que os ouvidos do
aprendiz não irão reconhecer os sons da língua estrangeira como eles realmente
são. Este é um forte argumento em favor de um estudo fonológico detalhado dos
contrastes entre a língua materna e a língua que se busca aprender - condição
imprescindível para um bom professor de inglês. Uma apresentação detalhada dos
dois sistemas fonológicos ajudará o aluno a tomar consciência cedo de que os
sons de um e outro idioma não são exatamente iguais, e que essas diferenças
podem ser relevantes no significado, afetando o entendimento.
German Coast Guard — a importância de uma boa pronúncia
Diferentes línguas podem ser dois códigos de comunicação totalmente
diferentes; ou, em alguns casos, até mesmo concepções diferentes de interação
humana como resultado de profundas diferenças culturais. Este é, por exemplo, o
caso do idioma japonês, quando comparado a qualquer uma das línguas européias.
É necessário ter uma mente japonesa, dizem, para se poder falar japonês
corretamente - o que sem dúvida é verdade.
Felizmente as diferenças entre português e inglês não são tão profundas.
Devido a origens comuns - a cultura grega, o Império Romano e seu idioma, a
religião Cristã, etc. - todas as culturas européias e suas línguas podem ser
consideradas muito próximas no contexto amplo das línguas do mundo. Poderíamos,
por exemplo, dizer que a língua espanhola é quase irmã gêmea do português; a
língua italiana, sua meia-irmã; o francês, seu primo; e o inglês, talvez um
primo de segundo grau.
Além das origens comuns que diminuem diferenças culturais, semelhanças
linguísticas entre inglês e português ocorrem predominantemente apenas no plano
de vocabulário, quando na forma escrita. Estruturação de frases e,
especialmente pronúncia, apresentam profundos contrastes. Numa análise
superficial das diferenças no plano da pronúncia, podemos relacionar as
seguintes diferenças:
Correlação pronúncia x ortografia: A primeira grande dificuldade que
logo salta aos olhos (e aos ouvidos) do aluno principiante, é a difícil
interpretação oral das palavras escritas em inglês. No português, a
interpretação oral de cada letra é relativamente clara e constante e, no
espanhol, é quase perfeita esta correlação. No inglês, entretanto, não apenas é
pouco clara e às vezes até muda, como altamente irregular. Ex: literature
[lItrƏtshuwr], circuit [sƏrkƏt].
Relação vogais x consoantes: O inglês faz um uso do sistema
articulatório e exige um esforço muscular e uma movimentação de seus órgãos,
especialmente da língua, significativamente diferentes, quando comparado à
fonética do português. A articulação de muitos sons do inglês bem como de
outras línguas de origem germânica, pode ser facilmente classificada como sendo
de natureza difícil. Isto está provavelmente relacionado ao fato de que o
inglês é rico na ocorrência de consoantes enquanto que o português é abundante
na ocorrência de vogais e combinações de vogais (ditongos e tritongos).
Ex: December is the twelfth month of the year. / Eu vou ao Uruguai e o
Áureo ao Piauí. / Eu sou europeu.
Sinalização fonética: O inglês é uma língua mais econômica em sílabas
do que o português. O número de palavras monossilábicas é muito superior quando
comparado ao português. Ex:
beer
|
cer-ve-ja
|
book
|
li-vro
|
car
|
car-ro
|
dream
|
so-nho
|
head
|
ca-be-ça
|
house
|
ca-sa
|
milk
|
lei-te
|
speak
|
fa-lar
|
trip
|
vi-a-gem
|
white
|
bran-co
|
wife
|
es-po-sa
|
write
|
es-cre-ver
|
Além disso, a média geral de sílabas por palavra é inferior, pois mesmo
palavras polissilábicas e de origem comum, quando comparadas entre os dois
idiomas, mostram uma clara tendência a redução em inglês. Ex:
gram-mar
|
gra-má-ti-ca
|
mo-dern
|
mo-der-no
|
na-ture
|
na-tu-re-za
|
te-le-phone
|
te-le-fo-ne
|
com-pu-ter
|
com-pu-ta-dor
|
prin-ter
|
im-pres-so-ra
|
air-plane
|
a-vi-ão
|
psy-cho-lo-gy
|
psi-co-lo-gi-a
|
Em frases, este fenômeno tende a aumentar. Ex:
Sílabas
|
|
2
|
Let's-work
|
5
|
Va-mos-tra-ba-lhar
|
4
|
I-like-be-er
|
7
|
Eu-gos-to-de-cer-ve-ja
|
4
|
How-old-are you?
|
7
|
Quan-tos-a-nos-vo-cê-tem?
|
6
|
I-want-cof-fee-with-milk
|
8
|
Eu-que-ro-ca-fé-com-lei-te
|
6
|
Did-you-watch-that-mo-vie?
|
Estudos de fonoaudiologia demonstram que a baixa média de sílabas por
palavra do inglês se traduz numa dificuldade maior de percepção por oferecer
uma menor sinalização fonética bem como menos tempo para decodificar a
informação. Isto se traduz também num grau de tolerância inferior para com
desvios de pronúncia.
Número de fonemas: Outra diferença fundamental é encontrada no
número de fonemas vogais. Devido à economia no uso de sílabas, o inglês precisa
de um número maior de sons vogais para diferenciar as inúmeras palavras
monossilábicas. Enquanto que português apresenta um inventário de 7 vogais (não
incluindo as variações nasais), no inglês norte-americano identifica-se facilmente
a existência de 11 fonemas vogais. Logicamente a percepção e a produção de um
número maior de vogais do que aquelas com que estamos acostumados em português,
representará uma grande dificuldade.
Encontra-se também diferenças no plano dos sons consoantes. Além de rico
na ocorrência de consoantes, o inglês possui um número maior de fonemas
consoantes. Estudos fonológicos normalmente classificam 24 consoantes em inglês
contra 19 no português. Além disso, consoantes em inglês podem ocorrer em
posições que não ocorreriam em português.
Acentuação tônica: Acentuação tônica de palavras é outro aspecto que
representa um contraste importante entre português e inglês. A forma
predominante de acentuação tônica de uma língua influi significativamente na
sua característica sonora. Enquanto que em português encontramos apenas 3 tipos
de acentuação tônica - oxítonas, paroxítonas e proparoxítonas, - sendo que a
acentuação paroxítona é a predominante, em inglês encontramos pelo menos 5
tipos de acentuação tônica e nenhuma predominante.
Ritmo: O ritmo da fala também é uma característica importante da língua.
Enquanto que o português é uma língua syllable-timed, onde cada
sílaba é pronunciada com certa clareza, o inglês é stress-timed,
resultando numa compactação de sílabas, produzindo contrações e exibindo um
fenômeno de redução de vogais como consequência.
Conclusões
Qualquer estudo de diferenças fonéticas entre inglês e português bem
como o estudo da correlação entre a ortografia e a pronúncia do inglês, mesmo
que superficiais, servem de evidência de que não há aprendizado de inglês se
não houver intenso contato com a língua na sua forma oral.
A desconcertante falta de correlação entre ortografia e pronúncia, sendo
uma das principais características do inglês bem como um grande obstáculo a seu
aprendizado, constitui-se num forte argumento em favor de abordagens baseadas
em assimilação natural pelo contato com falantes nativos, ao invés de estudo
formal da língua, para se alcançar fluência.
Contato prematuro com textos em inglês pode causar internalização e
fossilização de desvios de pronúncia, porque o estudante inadvertidamente irá
aplicar uma interpretação fonética do que vê baseada nas regras de
interpretação fonética da língua materna. Contato prematuro com textos em
inglês, na ausência da língua na sua forma oral (pronunciada corretamente),
constitui-se portanto num erro fundamental.
Pronúncia correta deve ser priorizada no início do aprendizado. Em
paralelo a um bom modelo de pronúncia, é indispensável o uso de símbolos
fonéticos para tornar a pronúncia visível. É inadmissível que materiais
didáticos para iniciantes não abordem a forma oral da língua através de
símbolos fonéticos.
Seria mais eficaz proporcionar ao jovem 3 ou 4 anos de contato com a
língua falada, na escola de primeiro grau, do que os 7 ou 8 anos de contato com
a língua escrita (predominantemente tradução e gramática) atualmente oferecidos
no segundo grau.
Orientações para
uma boa pronúncia
O momento ideal para o desenvolvimento de uma boa pronúncia de uma
língua estrangeira é a infância e, no caso de adolescentes e adultos, é o
início do aprendizado, quando o aluno forma a matriz fonológica da língua e
quando desvios de pronúncia tendem a cristalizar-se. No aprendizado de uma
língua como inglês, cuja correlação entre ortografia e pronúncia é extremamente
irregular, é importante intensificar o contato com a língua falada logo no
início do aprendizado, evitando o contato prematuro excessivo com a forma
escrita.
Diferentes pessoas podem ter diferentes graus de acuidade auditiva,
influenciando o grau de dificuldade em perceber a sutileza de certas diferenças
relevantes, bem como o grau de precisão com que vão reproduzir os sons da
língua estrangeira. Por esta razão, é recomendável que se faça uma avaliação
audiométrica - um exame de audição feito por fonoaudiólogos que determina
exatamente o quanto a pessoa ouve, da mesma forma que um exame de oculista
avalia a visão.
Independentemente do grau de acuidade auditiva do aprendiz, a qualidade
do inputrecebido pelo aluno é o fator mais importante. Por isso, é
fundamental buscar-se um instrutor de excelente pronúncia. Se o instrutor não
for falante nativo, deve ter no mínimo um ano e meio de experiência em país de
língua inglesa ou um nível de proficiência equivalente a iBT
100+ (Internet-Based TOEFL).
Infelizmente, fica difícil para um aluno principiante distinguir uma boa
pronúncia de uma pronúncia distorcida pela interferência da língua materna
(sotaque estrangeiro). Isso torna o principiante uma presa fácil de cursos
menos sérios. Por isso é sempre recomendável procurar conhecer o inglês de seu
futuro instrutor na presença de um amigo que fale inglês muito bem, ou bem
suficiente para reconhecer uma boa pronúncia. Lembre-se: não é o nome da escola
nem a suposta metodologia por ela usada que farão a diferença, mas sim as
qualidades pessoais do instrutor.
É importante também adquirir noções de fonologia para conscientizar-se
da existência de diferenças, e identificá-las individualmente. A partir daí, o
aluno deve exercitar os novos sons. Veja: Diferenças
de pronúncia entre inglês e português
Para adquirir-se não apenas a correta pronúncia de fonemas, mas também
a acentuação
tônica das palavras e a entonação da frase, desde o início
do aprendizado, é necessário ao aluno desenvolver a arte da imitação e sempre
consultar uma fonte autorizada: um native speaker ou uma
pessoa que fale com boa pronúncia, um dicionário com símbolos fonéticos,
os speaking dictionaries (dicionários eletrônicos de bolso que
reproduzem som) ou simplesmente um dicionário online (recomendo o Merriam-Webster).
para saber mais: www.sk.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário.