Grande parte dos professores
que estão hoje em sala têm os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) como
referência para seu planejamento. Com a aprovação da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), mudanças e novidades serão implementadas em todos os componentes
curriculares – e essas novidades estão cada dia mais perto de chegarem às salas
de aula. Em algumas redes, como a do município de São Paulo, a Base já é
realidade. Em outras, as preparações para lidar com o documento já começaram.
Mas escolas e educadores já podem começar a compreender as alterações que
deverão, a partir de 2019, ser incorporadas ao cotidiano.
Veja os principais pontos de
mudança que a BNCC propõe para Língua Portuguesa
O tema foi explorado na
Virada de Autores de Língua Portuguesa e Educação Infantil, que acontece entre
os dia 19 e 22 de julho, em Itapeva (MG). Na palestra As práticas de linguagem
contemporâneas e a BNCC, Jacqueline Peixoto Barbosa, professora Instituto de
Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp e uma das redatoras da última versão da
Base, apresentou algumas das mudanças trazidas pelo documento.
1) As práticas
contemporâneas ganham força
Diferentes formatos e
gêneros textuais ganharam destaque com a internet e passaram a fazer parte do
nosso dia a dia. A exploração e a análise dessas múltiplas linguagens são uma
das principais novidades trazidas pela BNCC que não eram contempladas pelos
Parâmetros. “A gente já trabalha com alguns, como HQ há muito tempo, mas a
questão aqui é que isso começa a crescer. Aparecem mais gêneros e mais práticas
de linguagem”, explica Jacqueline.
2) Os gêneros vão além dos
já trabalhados pela escola
Até recentemente, gêneros
digitais não eram sequer considerados como objeto de exploração das aulas de
Língua Portuguesa (há duas décadas, eles ainda nem existiam). Nos últimos dez
anos, os gêneros mais comumente usados na vida adulta, como blogs e emails,
passaram a fazer parte do cotidiano escolar, mas sem tanto espaço para
concorrer com os mais tradicionais. “Muitas vezes, os gêneros mais valorizados
socialmente são tratados pela escola e os gêneros que circula nas práticas das
culturas juvenis acabam ficando de fora”, considera Jacqueline. A especialista
relembra que antes da década de 80, a linguagem culta era a única considerada
pela escola, enquanto outras, silenciadas por ela. Com a Base, isso tende a ser
totalmente transformado: o documento sugere que o professor aborde produções
digitais que são mais frequentes nas práticas sociais culturais dos jovens do
que nas dos adultos (conheça alguns desses gêneros no Guia da BNCC de Língua
Portuguesa).
3) É necessário garantir
vozes heterogêneas
Apesar da internet criar um
espaço de democracia de consumo e publicação de informações, ela também pode
criar um efeito bolha, dado pelo constante contato entre pessoas com ideias
parecidas. “A escola precisa olhar para esse efeito bolha e para a
possibilidade de dar espaço a outras vozes”, sugere. É interessante apresentar
posições heterogêneas para ampliar leituras de mundo. E, por vozes
heterogêneas, não se entende apenas posições ou crenças diferentes. Com a
internet, os produtores de conteúdo se descentralizaram e há muitas publicações
além das mídias tradicionais e consolidadas. Publicações voltadas à cultura
periférica ou causas femininas, por exemplo, também são caminhos a serem
explorados.
4) O mundo é multiletrado e
interativo
As informações são
apresentadas em diferentes formatos, mídias e linguagens, como memes, vídeos e
playlists comentadas. Além disso, elas são interativas, podem ser
recontextualizadas, produzidas pelo próprio autor ou a partir de outros
conteúdos já existentes. “A escola não pode ficar somente com os gêneros mais
próprios do letramento da letra”, atenta Jacqueline. Apesar desse universo
digital ser bastante familiar às novas gerações, com a mediação da escola, os
estudantes podem ser melhor orientados em relação ao bom uso, interpretação,
função social e desenvolver criticidade para interagir online e para analisar
diferentes gêneros que fazem parte da sociedade moderna.
5) As habilidades pedem
contextualização
Há uma lista de habilidades
que compõem cada componente curricular na BNCC. Elas indicam aprendizagens
necessárias de serem desenvolvidas em cada ano, mas que não devem ser ensinadas
por si só. “Não é a habilidade pela habilidade. A habilidade sempre deve estar
ligada ao uso significativo, a uma prática de linguagem”, indica a professora
da Unicamp. Assim, mais do que compreender e dominar conteúdos, conceitos e
processos descritos pelas habilidades, é necessário ter clareza de como estes
se relacionam e se aplicam, por exemplo, nos diversos textos usados em
diferentes campos de atuação (na vida cotidiana, na imprensa, nos espaços de
debate público, e assim por diante). É o que deve acontecer no ensino das
práticas de linguagem contemporâneas.
6) Não há gêneros fixados
pela Base
Trailer honesto, fanfic,
detonado, remix, playlists comentadas. Uma infinidade de gêneros compõem o
mundo contemporâneo e eles estão sendo constantemente inventados e
reinventados. É difícil acreditar que a escola dará conta de passar por todos
eles de forma tão aprofundada quanto acontece com os gêneros textuais
clássicos. “O documento até apresenta algumas indicações para algumas séries,
mas o que é importante trabalhar é o que está em jogo nos gêneros”, explica
Jacqueline. “Não é preciso que todos os professores trabalhem trailer honesto,
por exemplo, mas é essencial que eles consigam estabelecer a fusão do papel
consumidor-autor e trabalhem outros gêneros com característica semelhante”.