segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

A DISCIPLINA DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO E A (DE)FORMAÇÃO DO LEITOR





Bianca Buse
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Literatura
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Resumo
A Literatura, como disciplina, no Ensino Médio, não pode, ainda, ser encarada como uma aliada, de participação integral, na formação de leitores. O atual processo de leitura de Literatura não propicia um aproveitamento adequado da Literatura como fenômeno artístico, já que, muitas vezes, prioriza o ensino da história da Literatura ou o trabalho com fragmentos de obras literárias consideradas canônicas, não estimulando, dessa forma, o jovem estudante à prática da leitura. Diante dessa constatação, este estudo propõe uma estruturação diferenciada da introdução da disciplina de Literatura no Ensino Médio, iniciando pela leitura de textos contemporâneos, mais próximos à realidade dos alunos, numa proposta de “gradação textual”, objetivando o estímulo do hábito da leitura, visando à formação do leitor.
Palavras-chave: Ensino Médio; leitura de Literatura; formação do leitor; Literatura contemporânea.

A DISCIPLINA DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO E A (DE)FORMAÇÃO DO LEITOR

A leitura no Ensino Médio

Qual é o papel da disciplina de Literatura no Ensino Médio? Acreditamos que para se discutir a funcionalidade da Literatura nesse período escolar, antes, é preciso primeiro se definir o que se pretende com ela aqui. Seria apenas apresentar um panorama da história da Literatura aos estudantes? Sendo assim, a metodologia de ensino tradicional, que se foca na periodização literária, pode dar conta do recado. No entanto, se se espera mais desta disciplina, até pensando na questão social da formação dos alunos como cidadãos, a disciplina de Literatura deveria ter como premissa formar leitores críticos. E é acreditando nesta segunda possibilidade que este estudo se fundamenta e se desenvolve.
Já há bastante tempo vem se falando sobre a importância da leitura no desenvolvimento do aluno como cidadão e, em prol disso, inúmeros programas do governo têm contribuído para o incentivo à leitura (PROLER, PRÓ-LEITURA, PNBE – Plano Nacional de Biblioteca Escolar, PNLL – Plano Nacional do Livro e Leitura etc.), assim como também vem ocorrendo muitas pesquisas acadêmicas nessa área, objetivando estimular a formação do leitor.
Também é sabido que ler não é apenas decodificar símbolos; vai muito além disso, como nos aponta Villardi:
Ler é construir uma concepção de mundo, é ser capaz de compreender o que nos chega por meio da leitura, analisando e posicionando-se criticamente frente às informações colhidas, o que se constitui como um dos atributos que permitem exercer, de forma mais abrangente e complexa, a própria cidadania. (VILLARDI, 1999, p. 4)
E pensando nessa concepção de leitura, não podemos deixar de destacar a relevância do leitor neste processo. Com o desenvolvimento dos estudos da Estética da Recepção, o receptor do texto, o leitor, passa a ser visto como um elemento ativo no processo de leitura, como “o protagonista do ato de ler” (LOIS, 2010, p. 31), e o seu “horizonte de leituras” (JAUSS, 1994), seu conhecimento de mundo, é fator essencial na recepção da obra literária.
A sociologia da leitura também tem como objeto de pesquisa o leitor e considera que fatores sociais interferem no processo de formação do gosto da leitura, por exemplo. Para além da análise da recepção de textos literários, a sociologia da leitura trabalha com a leitura em si e com aspectos externos, como a circulação e o consumo de livros de acordo com o contexto social em que o leitor está inserido.
Este foco no leitor, seja com a Estética da Recepção ou com a Sociologia da Leitura, é de fundamental importância para compreendermos: que a leitura pode afetar (e ser afetada) diretamente o leitor; que o gosto pela leitura, assim como sua prática, podem ser entendidos como construções sociais; que o sujeito leitor tem a possibilidade de amadurecimento – individual e intelectual – com a prática da leitura; e que a leitura pode propiciar ao sujeito o desenvolvimento da sua visão crítica do mundo e seu estabelecimento como cidadão, como coloca Danielle Brito:
[...] é por meio da leitura que podemos formar cidadãos críticos, uma condição indispensável para o exercício da cidadania, na medida em que  torna o indivíduo capaz de compreender o significado das inúmeras que se manifestam no debate social e de pronunciar-se com sua própria voz,tomando consciência de todos os seus direitos e sabendo lutar por eles. (BRITO, 2010, p. 1)
Nesse sentido, e pensando na formação do leitor, fazemos aqui um recorte, optando por discutir essa questão no âmbito da escola, mais precisamente no Ensino Médio.
Infelizmente, a realidade do atual processo de leitura de Literatura que ocorre no Ensino Médio não estimula o jovem estudante para o desenvolvimento do hábito da leitura, tendo em vista que, muitas vezes, a disciplina de Literatura prioriza o ensino da história da Literatura e o trabalho com fragmentos de obras literárias, sem instigar a busca pelas diversas leituras que são permitidas ao texto literário, enquanto instrumento de pluralidade de significações.
Refletindo sobre o papel da leitura na escola e a importância da formação do aluno como leitor, entendemos que o professor deve compactuar com essa formação, buscando estimular a capacidade do discente de interagir com o conhecimento de forma autônoma, o que o beneficiará, depois, no cumprimento de seu papel de cidadão, conforme nos aponta Lena Lois:
Se a prática da leitura não está incorporada, o desenvolvimento da cidadania também fica comprometido. Se não se lê, não se pode aumentar o repertório  crítico. Sem a crítica, o poder de julgamento fica limitado e a capacidade de intervenção e inserção cultural, também. (LOIS, 2010, p. 19)
Visualizando a leitura como essa prática social, que possibilita o desenvolvimento do senso crítico e da autonomia, faz aqui uma ponte com a Estética da Recepção e com as referências de Jauss (1994), depreendendo que o processo de valorização do leitor, e de seu horizonte de expectativas (suas impressões e seu conhecimento prévio), é fundamental para a compreensão desse processo de leitura de Literatura.
Dessa forma, o efeito provocado pela leitura está vinculado ao conhecimento prévio do leitor, às suas experiências, e é isso que influencia a atualização da leitura de forma diferenciada entre os leitores, pois a recepção da obra não é igual para todos, já que suas histórias de vida também não são as mesmas. Depois de identificarmos a importância que a leitura tem no desenvolvimento do sujeito enquanto cidadão, e que esse leitor tem um papel essencial na Literatura, não podemos ignorar outro questionamento: como as aulas de Literatura, no Ensino Médio, têm contribuindo para a formação do aluno leitor? Para refletirmos a respeito disso, vamos entender, antes, como é o ensino de Literatura no Ensino Médio hoje.
O ensino de Literatura no Ensino Médio
Não é difícil perceber, hoje, seja em conversa com professores e alunos das mais diversas escolas ou analisando as pesquisas e estudos que se debruçam sobre a questão do ensino de Literatura e da leitura, que as aulas da disciplina de Literatura não são, geralmente, apreciadas por grande parte dos alunos do Ensino Médio, aliás, muito longe disso. Muitos desses discentes chegam ao Ensino Médio com uma certa aversão à leitura e à Literatura.
Para tentar entender esse resultado, devemos procurar verificar como tem se processado essas aulas de Literatura, muitas vezes na exigência de memorização de uma quantidade enorme de informações “literárias” (características de cada escola literária, dados biográficos de autores etc.), na insistência do confronto do aluno com obras literárias muito alheias à sua realidade e na transformação de uma obra de arte em um mero objeto de estudo.Com isso, não é difícil entender o motivo pelo qual os alunos de Ensino Médio rechaçam a disciplina de Literatura, entendendo-a como trabalho inútil. É fato que essa prática pedagógica não atinge, em absoluto, o interesse dos alunos e não acrescenta, significativamente, bagagem cultural a esses jovens.
É preciso sinalizar, também, que esse aluno do Ensino Médio, na maior parte das vezes, já não tem mais contato com o texto literário na íntegra, apenas com fragmentos que são usados como exemplos para a compreensão da gramática ou como modelo para exemplificar características de determinada escola ou gênero literário, como indica Todorov (2009), em A Literatura em perigo. Isso contribui ainda mais com o desinteresse do corpo discente pela leitura literária. E o autor assevera:
[...] o estudante não entra em contato com a Literatura mediante a leitura dos textos literários propriamente ditos, mas com alguma forma de crítica, de teoria ou de história literária. [...] Para esse jovem, Literatura passa a ser então muito mais uma matéria escolar a ser aprendida em sua periodização do que um agente de conhecimento sobre o mundo, os homens, as paixões, enfim, sobre sua vida íntima e pública. (TODOROV, 2009, p. 10)
Essa “escolarização da Literatura” e o despreparo do professor para uma nova concepção de trabalho de leitura afastam o estudante do caminho prazeroso da leitura literária.
E, nesse sentido, não podemos deixar de retomar aqui a reflexão de Rubem Alves a respeito do prazer da leitura:
[...] de tudo o que as escolas podem fazer com as crianças e os jovens, não há nada de importância maior que o ensino do prazer da leitura. Todos falam na importância de alfabetizar, saber transformar símbolos gráficos em palavras. Concordo. Mas isso não basta. É preciso que o ato de ler dê prazer.
As escolas produzem, anualmente, milhares de pessoas com habilidade de ler mas que, vida a fora, não vão ler um livro sequer. Acredito piamente no dito do evangelho: “No princípio está a Palavra...” É pela palavra que se entra no mundo humano. (ALVES, 2008, p. 61)
Portanto, não se deve imaginar a leitura da Literatura no Ensino Médio como um jogo de cartas marcadas, como apenas o cumprimento, página após página, do conteúdo programático apresentado pelo livro didático. Ao contrário, o estímulo à leitura deve ser uma constante, e sempre de forma a possibilitar que não seja um exercício de análise da mensagem subentendida, mas sim um passaporte para a viagem metafísica que o leitor tem direito a fazer (escolhendo o meio de transporte, a classe, a duração e sem destino predefinido). Conforme nos aponta Luzia de Maria, em seu livro O clube do livro: ser leitor – que diferença faz?, “conhecer a Literatura é ler a Literatura, não é decorar dados e datas a seu respeito” (MARIA, 2009, p.121).
Entretanto, também é preciso ter cuidado com as indicações de obras literárias, principalmente com relação à fixação destas escolhas apenas nos cânones literários. Já há vários estudiosos que apontam para uma abertura maior e mais flexível nessa escolha de títulos, não se fechando apenas entre obras clássicas. Afinal, toda leitura é válida neste momento de iniciação literária, como apontou José Mindlin, em No mundo dos livros:
[...] a leitura é um mundo de liberdade intelectual. É quase irrelevante que as primeiras leituras tenham, ou não, a assim chamada ‘qualidade literária’, embora obviamente quando a tiverem será preferível. A seleção vem com o tempo, o importante é que as pessoas adquiram o hábito de leitura (MINDLIN, 2009, p. 17).
Luzia de Maria diz não achar justo que se espere que estudantes que tiveram pouca ou nenhuma leitura de obras literárias comecem a ler pelas “obras-primas” (MARIA, 2009, p.45). E acrescenta:
[...] nenhum leitor nasce lendo Fernando Pessoa ou Guimarães Rosa. Até porque é preciso maturidade de leitor para apreciar os mestres. Prefiro ver um adolescente lendo, feliz, Harry Potter do que vê-lo sendo obrigado, pela escola, a ler um romance qualquer de Machado de Assis, por conta de ser seu centenário, e odiando, por tabela, qualquer leitura. (MARIA, 2009, p. 159)
Em se tratando de Literatura, o objetivo deve ser propiciar ao aluno o desenvolvimento da visão crítica do mundo e habilidade de leitor proficiente dos diversos gêneros representativos de nossa cultura. Porém, apesar de abrir novos horizontes, estimulando a formação crítico-participativa dos alunos, essa proposta, na maioria das vezes, não sai do papel ou do discurso.
E a grande pergunta que fica é: por que esse panorama do ensino da Literatura no Ensino Médio continua tão angustiante se a maior parte dos professores já tem consciência de todos esses dados levantados aqui? Por que eles ainda insistem em manter a metodologia tradicional de ensino da Literatura, partindo do estudo da periodização literária e fixando as leituras apenas em fragmentos de obras consideradas cânones literários?
Será que uma resposta para isso está na questão desse professor não ser efetivamente um leitor? Mas é possível conceber a ideia de um professor de Literatura não ser um leitor de Literatura?
E, neste ponto, entramos em uma questão bastante preocupante: como pode um professor ser formador de leitores se ele mesmo não é um leitor? Parte-se do pressuposto de que para formar leitores é preciso, antes, constituir-se leitor.
De acordo com Fabiane Burlamaque, diversas pesquisas com foco na questão da leitura no Brasil mostram que muitos professores são não leitores (BURLAMAQUE, 2006, p. 82) e isso é lamentável, pois “[...] a experiência leitora do professor é um dos componentes imprescindíveis no trabalho que ele desenvolverá em sala de aula com o objetivo de formar novos leitores literários” (BURLAMAQUE, 2006, p. 83).
A respeito desse assunto tão complexo, Luzia de Maria também traz sua reflexão:
[...] é necessário que o professor seja um leitor [...], um bom leitor. Que tenha uma rica bagagem de leitura. E aqui reside um dos grandes problemas da educação no país, acho que certamente o maior dos problemas: boa parte dos professores que saem das faculdades, formados nos cursos de letras ou pedagogia, ostenta um diploma de licenciatura, mas infelizmente não são leitores. [...] Enquanto os alunos-futuros-professores não construírem suas histórias de leitor, enquanto não enraizarem em suas vidas a leitura como prática emancipatória, a leitura como espaço de conhecimento e experiência, enquanto não se tornarem leitores autônomos, leitores plenos, pouca condição terão de formar leitores em suas salas de aula. Formar leitores deve ser prioridade, porque é uma questão estratégica para o desenvolvimento de um povo. (MARIA, 2009, p. 160-161, grifo nosso)
Como podemos pensar que um professor que não lê pode introduzir seus alunos nesse mundo literário? Como esse docente, não leitor, poderá orientar esse aluno que ainda não possui um repertório de leituras, que não tem referências e, portanto, não sabe por onde ingressar naquilo que, para ele, ainda é algo totalmente novo e fora de sua realidade? Para Maria (2009) “[...] um dos obstáculos para o sujeito começar a ler é justamente ele não saber por onde começar; é a angústia de chegar a uma livraria ou a uma biblioteca e não saber o que escolher [...]” (MARIA, 2009, p.17).
E o fato de não ser leitor irá afetar o compromisso desse professor em formar leitores em suas aulas:
[...] o professor que “escolhe” não ser um leitor da arte, um leitor de Literatura, reflete em sala de aula suas opções. Consequentemente, cairá em contradição quando cobrar de seu estudante um posicionamento leitor. O professor que não tem envolvimento com esse tipo de texto anuncia-se como um profissional distante da cultura e restrito à sua ação pedagógica. (LOIS, 2010, p. 76)
Esta questão de professor não leitor é muito inquietante; todavia, não se pode jogar toda a responsabilidade dessa postura não leitora exclusivamente nas costas dos professores como sendo apenas o resultado de uma escolha pessoal. É necessário investigar as causas desse ‘abandono’, buscar entender por que isso acontece e, ao mesmo tempo, procurar estabelecer meios de recuperação desse professor-leitor.
Dentre as inúmeras possibilidades de identificação das potenciais causas desse problema, destacamos: a deficiência já na formação desses professores, com grades curriculares de cursos universitários bastante ultrapassados e com a falta de foco na formação desse futuro professor como leitor literário; a falta de reconhecimento e valorização do profissional professor, o que acaba desmotivando o mesmo; a baixa remuneração que, em alguns casos, obriga o professor a ter um número de aulas muito grande, fazendo com que não disponha de tempo livre suficiente para seu aperfeiçoamento pessoal e profissional; a cobrança penosa de alguns processos seletivos de ingresso em universidades (o temido vestibular), que impõe conteúdos obrigatórios, ainda, ultrapassados ou sem valorização do papel social da leitura; dentre outras causas.
De fato, todo esse levantamento é real e influi de forma bastante negativa na constituição do professor leitor, entretanto, não se pode usar isso como desculpa ou amparo para se permanecer estagnado; é preciso, de alguma maneira, procurar lutar contra esses impasses, estabelecendo propostas que venham a contribuir com o grande objetivo aqui colocado: a constituição do professor leitor para buscar a formação de leitores.
E, além disso, é preciso também discutir o que se está lendo nas salas de aula do EM. E com qual objetivo se dão as escolhas dessas leituras: se são apenas para cumprir um programa didático ou se realmente visam à formação do leitor.
O cânone literário x estímulo à leitura no ensino médio – uma verdade que incomoda
Observando tantas pesquisas e trabalhos que veem sendo discutidos na academia a respeito da formação do leitor, uma inquietação sobre a leitura de Literatura no Ensino Médio desponta de forma acentuada: por qual motivo a Literatura brasileira contemporânea ainda não está no centro das leituras realizadas na escola?
Antes de nos fixarmos na análise do motivo que leva o professor a continuar trabalhando com uma estratégia didática já considerada ultrapassada, propomos uma breve reflexão a respeito do cânone literário.
O que enquadramos no conceito de cânone literário são obras de renomado valor estético e cultural de uma sociedade. Entretanto, esse conceito é muito amplo e também muito complexo, tendo em vista que teríamos que ter claros todos os critérios de atribuição de valor para então estabelecermos quais obras seriam consideradas clássicas, para cada sociedade analisada.
Italo Calvino, em Por que ler os clássicos, relaciona uma série de propostas de definição para os ditos clássicos e, dentre elas, pontua que “[...] são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram [...]” (CALVINO, 2007, p. 11). Ou seja, obras de valor atemporal.
Todavia, a questão do cânone literário traz muitas controvérsias, principalmente se formos entrar na discussão de como foram estabelecidos os critérios de inclusão (ou exclusão) de obras literárias nessa classificação.
Não estamos sugerindo, de forma alguma, a renúncia do cânone (é evidente a sua importância), no entanto seria interessante repensar sua abertura, estabelecendo parâmetros menos centralizados, procurando respeitar a diversidade e as diferentes tradições literárias.
Já se sabe que a leitura dessas obras clássicas da Literatura na escola, em determinados momentos, pode deixar de interessar o aluno pelo seu distanciamento tempo/espaço na relação obra/leitor. O jovem, geralmente, identifica-se melhor com textos que trazem algo de sua realidade, pois assim a leitura vai ao encontro de suas experiências, e, por isso, apostamos num trabalho de introdução da disciplina de Literatura no Ensino Médio a partir da leitura de textos contemporâneos.
Uma aposta na Literatura contemporânea
Numa possibilidade de melhorar esse contexto, visando à formação de leitores, acreditamos que a leitura será benquista pelos alunos se os textos se relacionarem, de alguma forma, com a realidade que os cerca, e com seus interesses. Uma vez que consiga se reconhecer e reconhecer “seu mundo” nas leituras propostas pela escola, o aluno poderá encontrar a motivação necessária para vir a se tornar um leitor e, assim, as leituras realizadas poderão agregar mais conhecimento à sua vida, como Gizelle Corso e Josiele Ozelame comentam: A leitura de textos por lazer/prazer permite que os alunos estabeleçam relações com outras áreas do conhecimento, extraindo diferentes conteúdos, fazendo diversas conexões a partir de suas experiências do dia a dia. (CORSO; OZELAME, 2009, p. 72)
Pensando nisso, uma proposta fundamentada na Estética da Recepção poderia introduzir esse aluno, no mundo literário, de uma maneira gradativa, primeiro estabelecendo uma relação com o horizonte de expectativa do discente, fazendo uso de textos com temática e linguagem mais próximas de sua realidade, para depois, aos poucos, ir ampliando seu repertório.
Nessa mesma perspectiva, José Luís Jobim aposta numa espécie de “gradação textual” como método de inserção da Literatura na vida escolar, de forma a fazer com que o aluno se sinta mais à vontade com os textos e possa, gradativamente, ir aperfeiçoando e alargando seu horizonte de leituras:
A introdução do texto literário em classe deve sempre ter em conta o universo dos seus receptores, estabelecendo, se for o caso, uma “gradação textual” para trazer ao público estudantil primeiramente o que for mais fácil para ele, para depois, paulatinamente, chegar ao mais difícil [...] a partir do momento que despertamos a atenção do educando para a Literatura, a partir de textos mais “fáceis”, poderemos, com melhor efeito, introduzi-lo no mundo das linguagens mais “difíceis” (por exemplo, a do Barroco), ou no mundo dos temas que não fazem parte (ainda) de seu universo. (JOBIM, 2009, p. 117)
O dia a dia da sala de aula, principalmente na disciplina de Língua Portuguesa/Literatura, pode ser tornar notoriamente desestimulante e massacrante, tanto para o aluno, como para o professor, se não houver a insistência diária no desenvolvimento de um processo ensino-aprendizagem mais interativo e estimulante.
O professor precisa sempre buscar novas alternativas de ensino e de inserção do conteúdo aplicado no mundo real para que o aluno possa se motivar com as quebras de rotinas e entender a importância do estudo para o seu desenvolvimento enquanto cidadão.
A partir de toda essa reflexão, nossa sugestão, então, é que o professor inicie o trabalho com a Literatura a partir da leitura de textos contemporâneos, que estejam mais próximos à realidade dos alunos, evitando, assim, aquele bloqueio inicial que se cria ao apresentar a Literatura ao estudante a partir de textos do trovadorismo, classicismo, barroco etc. Fazendo um caminho contrário, partindo do mais contemporâneo, esse professor pode vir a conquistar o aluno e, após certa maturidade de leitura, este terá bagagem para ler uma obra clássica, compreender e apreciar, ou renegar, mas já com argumentos sólidos para isso. Mas para tanto, é imprescindível que o professor abandone o preconceito destinado a ‘certos tipos’ de leitura, como coloca Heloisa Seixas, em O prazer de ler (2011):
Não se deve ter preconceito quando um jovem manifesta interesse por um tipo de livro. Qualquer livro é melhor do que livro nenhum. Um exemplo: a crença de que jovens se assustam com “livros grandes”, com muitas páginas, foi por água abaixo quando começou o fenômeno Harry Potter. Pode quem quiser falar mal do bruxinho inglês, mas a verdade é que ele fez muitos meninos e meninas perderem o medo de ter na mão um livro de trezentas páginas ou mais. Isso é um feito.(SEIXAS, 2011, p. 9, destaque do autor)
Depois desse primeiro contato literário, pressupondo uma maior aproximação do aluno com a Literatura, sem os bloqueios causados pela tentativa enfadonha e maçante de iniciar esse estudo pela mera apresentação de informações da periodização literária, acredita-se que o aluno terá maior receptividade com outros textos literários, uma vez que já terá uma certa intimidade.
A partir desse momento de amadurecimento como leitor, o aluno já terá condições de ler, compreender e apreciar outras obras literárias, consideradas por ele, a princípio, mais complexas e, dessa maneira, estabelecer as relações necessárias para o entendimento da história da Literatura, verificando que não existe uma separação, propriamente dita, da obra, do autor e do contexto histórico-social, tendo em vista que eles se complementam na análise literária.
Todas essas mudanças são válidas e possíveis, entretanto exigem um repensar geral no ensino da leitura da Literatura. Regina Zilberman (1988) mostra que a escola tem poder para promover essas mudanças e fazer da leitura um instrumento de libertação dos leitores.
E findando esta proposta de reflexão a respeito da formação de leitores no Ensino Médio, trazemos aqui uma citação bastante pertinente, da Professora Tânia Ramos, para pensar o trabalho com a Literatura contemporânea em sala de aula: O espaço da Literatura contemporânea é aquele onde o professor mais do que nunca tem que se comportar como leitor. Ele não tem como se valer (ou se repetir) de uma fortuna crítica canônica e canonizadora. Mas ele tem como tentar exercer a sua força interpretadora e o seu potencial criativo no salutar exercício da leitura inaugural. O professor diante de um texto contemporâneo tem, ele mesmo, que responder à esfinge: decifra-me ou te devoro. (RAMOS, 2002, p. 27)

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência: o dilema da educação. 19. ed. São Paulo: Loyola, 2008.
BRITO, Danielle Santos de. A importância da leitura na formação social do indivíduo. Revela, ano IV, n. 8, p. 1-35, jun. 2010.
BURLAMAQUE, Fabiane Verardi. Os primeiros passos na constituição de leitores autônomos: a formação do professor. In: TURCHI, Maria Zaira; SILVA, Vera Maria Tietzmann. (Orgs.). Leitor formado, leitor em formação: a leitura literária em questão. São Paulo: Cultura Acadêmica; Assis, SP: ANEP, 2006.
CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
CORSO, GizelleKaminski; OZELAME, Josiele K. Corso. Escola, leitura, leitores – Literatura. Visão Global, Joaçaba, v. 12, n. 1, p. 67-76, jan./jun. 2009.
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994.
JOBIM, José Luís. A literatura no ensino médio: um modo de ver e usar. In: ZILBERMAN, mRegina; ROSING, Tania M. K. (Orgs.). Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.
LOIS, LENA. Teoria e prática da formação do leitor: leitura e literatura na sala de aula. Porto Alegre: Artmed, 2010.
MARIA, Luzia de. O clube do livro: ser leitor – que diferença faz? São Paulo: Globo, 2009.
MINDLIN, José. No mundo dos livros. Rio de Janeiro: Agir, 2009.
RAMOS, Tânia Regina Oliveira. Literatura contemporânea com(o) disciplina. Ensaio apresentado no XVII Encontro da ANPOLL, Gramado, RS, julho de 2002. Disponível  em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/article/download/154/153>. Acesso em: 17 jul. 2010.
SEIXAS, Heloisa. O prazer de ler. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011.
TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
VILLARDI, Raquel. Ensinando a gostar de ler: formando leitores para a vida inteira. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1999.

ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988.

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