Bianca Buse
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Literatura
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Resumo
A Literatura,
como disciplina, no Ensino Médio, não pode, ainda, ser encarada como uma aliada,
de participação integral, na formação de leitores. O atual processo de leitura
de Literatura não propicia um aproveitamento adequado da Literatura como
fenômeno artístico, já que, muitas vezes, prioriza o ensino da história da
Literatura ou o trabalho com fragmentos de obras literárias consideradas
canônicas, não estimulando, dessa forma, o jovem estudante à prática da
leitura. Diante dessa constatação, este estudo propõe uma estruturação
diferenciada da introdução da disciplina de Literatura no Ensino Médio, iniciando
pela leitura de textos contemporâneos, mais próximos à realidade dos alunos,
numa proposta de “gradação textual”, objetivando o estímulo do hábito da
leitura, visando à formação do leitor.
Palavras-chave: Ensino
Médio; leitura de Literatura; formação do leitor; Literatura contemporânea.
A DISCIPLINA DE LITERATURA NO ENSINO
MÉDIO E A (DE)FORMAÇÃO DO LEITOR
A leitura no Ensino Médio
Qual é o papel
da disciplina de Literatura no Ensino Médio? Acreditamos que para se discutir a
funcionalidade da Literatura nesse período escolar, antes, é preciso primeiro
se definir o que se pretende com ela aqui. Seria apenas apresentar um panorama
da história da Literatura aos estudantes? Sendo assim, a metodologia de ensino
tradicional, que se foca na periodização literária, pode dar conta do recado.
No entanto, se se espera mais desta disciplina, até pensando na questão social
da formação dos alunos como cidadãos, a disciplina de Literatura deveria ter
como premissa formar leitores críticos. E é acreditando nesta segunda possibilidade
que este estudo se fundamenta e se desenvolve.
Já há bastante
tempo vem se falando sobre a importância da leitura no desenvolvimento do aluno
como cidadão e, em prol disso, inúmeros programas do governo têm contribuído
para o incentivo à leitura (PROLER, PRÓ-LEITURA, PNBE – Plano Nacional de
Biblioteca Escolar, PNLL – Plano Nacional do Livro e Leitura etc.), assim como também
vem ocorrendo muitas pesquisas acadêmicas nessa área, objetivando estimular a formação
do leitor.
Também é sabido
que ler não é apenas decodificar símbolos; vai muito além disso, como nos
aponta Villardi:
Ler é construir
uma concepção de mundo, é ser capaz de compreender o que nos chega por meio da
leitura, analisando e posicionando-se criticamente frente às informações
colhidas, o que se constitui como um dos atributos que permitem exercer, de
forma mais abrangente e complexa, a própria cidadania. (VILLARDI, 1999, p. 4)
E pensando nessa
concepção de leitura, não podemos deixar de destacar a relevância do leitor
neste processo. Com o desenvolvimento dos estudos da Estética da Recepção, o
receptor do texto, o leitor, passa a ser visto como um elemento ativo no
processo de leitura, como “o protagonista do ato de ler” (LOIS, 2010, p. 31), e
o seu “horizonte de leituras” (JAUSS, 1994), seu conhecimento de mundo, é fator
essencial na recepção da obra literária.
A sociologia da
leitura também tem como objeto de pesquisa o leitor e considera que fatores
sociais interferem no processo de formação do gosto da leitura, por exemplo.
Para além da análise da recepção de textos literários, a sociologia da leitura
trabalha com a leitura em si e com aspectos externos, como a circulação e o consumo
de livros de acordo com o contexto social em que o leitor está inserido.
Este foco no
leitor, seja com a Estética da Recepção ou com a Sociologia da Leitura, é de fundamental
importância para compreendermos: que a leitura pode afetar (e ser afetada) diretamente
o leitor; que o gosto pela leitura, assim como sua prática, podem ser
entendidos como construções sociais; que o sujeito leitor tem a possibilidade
de amadurecimento – individual e intelectual – com a prática da leitura; e que
a leitura pode propiciar ao sujeito o desenvolvimento da sua visão crítica do
mundo e seu estabelecimento como cidadão, como coloca Danielle Brito:
[...] é por meio
da leitura que podemos formar cidadãos críticos, uma condição indispensável
para o exercício da cidadania, na medida em que torna o indivíduo capaz de compreender o
significado das inúmeras que se manifestam no debate social e de pronunciar-se
com sua própria voz,tomando consciência de todos os seus direitos e sabendo
lutar por eles. (BRITO, 2010, p. 1)
Nesse sentido, e
pensando na formação do leitor, fazemos aqui um recorte, optando por discutir
essa questão no âmbito da escola, mais precisamente no Ensino Médio.
Infelizmente, a
realidade do atual processo de leitura de Literatura que ocorre no Ensino Médio
não estimula o jovem estudante para o desenvolvimento do hábito da leitura, tendo
em vista que, muitas vezes, a disciplina de Literatura prioriza o ensino da
história da Literatura e o trabalho com fragmentos de obras literárias, sem instigar
a busca pelas diversas leituras que são permitidas ao texto literário, enquanto
instrumento de pluralidade de significações.
Refletindo sobre
o papel da leitura na escola e a importância da formação do aluno como leitor,
entendemos que o professor deve compactuar com essa formação, buscando estimular
a capacidade do discente de interagir com o conhecimento de forma autônoma, o que
o beneficiará, depois, no cumprimento de seu papel de cidadão, conforme nos
aponta Lena Lois:
Se a prática da
leitura não está incorporada, o desenvolvimento da cidadania também fica
comprometido. Se não se lê, não se pode aumentar o repertório crítico. Sem a crítica, o poder de julgamento
fica limitado e a capacidade de intervenção e inserção cultural, também. (LOIS,
2010, p. 19)
Visualizando a
leitura como essa prática social, que possibilita o desenvolvimento do senso
crítico e da autonomia, faz aqui uma ponte com a Estética da Recepção e com as referências
de Jauss (1994), depreendendo que o processo de valorização do leitor, e de seu
horizonte de expectativas (suas impressões e seu conhecimento prévio), é
fundamental para a compreensão desse processo de leitura de Literatura.
Dessa forma, o
efeito provocado pela leitura está vinculado ao conhecimento prévio do leitor,
às suas experiências, e é isso que influencia a atualização da leitura de forma
diferenciada entre os leitores, pois a recepção da obra não é igual para todos,
já que suas histórias de vida também não são as mesmas. Depois de
identificarmos a importância que a leitura tem no desenvolvimento do sujeito
enquanto cidadão, e que esse leitor tem um papel essencial na Literatura, não
podemos ignorar outro questionamento: como as aulas de Literatura, no Ensino
Médio, têm contribuindo para a formação do aluno leitor? Para refletirmos a
respeito disso, vamos entender, antes, como é o ensino de Literatura no Ensino
Médio hoje.
O ensino de Literatura no Ensino
Médio
Não é difícil perceber,
hoje, seja em conversa com professores e alunos das mais diversas escolas ou
analisando as pesquisas e estudos que se debruçam sobre a questão do ensino de
Literatura e da leitura, que as aulas da disciplina de Literatura não são,
geralmente, apreciadas por grande parte dos alunos do Ensino Médio, aliás,
muito longe disso. Muitos desses discentes chegam ao Ensino Médio com uma certa
aversão à leitura e à Literatura.
Para tentar
entender esse resultado, devemos procurar verificar como tem se processado
essas aulas de Literatura, muitas vezes na exigência de memorização de uma quantidade
enorme de informações “literárias” (características de cada escola literária,
dados biográficos de autores etc.), na insistência do confronto do aluno com
obras literárias muito alheias à sua realidade e na transformação de uma obra
de arte em um mero objeto de estudo.Com isso, não é difícil entender o motivo
pelo qual os alunos de Ensino Médio rechaçam a disciplina de Literatura,
entendendo-a como trabalho inútil. É fato que essa prática pedagógica não
atinge, em absoluto, o interesse dos alunos e não acrescenta, significativamente,
bagagem cultural a esses jovens.
É preciso
sinalizar, também, que esse aluno do Ensino Médio, na maior parte das vezes, já
não tem mais contato com o texto literário na íntegra, apenas com fragmentos
que são usados como exemplos para a compreensão da gramática ou como modelo
para exemplificar características de determinada escola ou gênero literário,
como indica Todorov (2009), em A Literatura em perigo. Isso contribui ainda mais
com o desinteresse do corpo discente pela leitura literária. E o autor
assevera:
[...] o
estudante não entra em contato com a Literatura mediante a leitura dos textos
literários propriamente ditos, mas com alguma forma de crítica, de teoria ou de
história literária. [...] Para esse jovem, Literatura passa a ser então muito
mais uma matéria escolar a ser aprendida em sua periodização do que um agente
de conhecimento sobre o mundo, os homens, as paixões, enfim, sobre sua vida
íntima e pública. (TODOROV, 2009, p. 10)
Essa “escolarização da Literatura”
e o despreparo do professor para uma nova concepção de trabalho de leitura
afastam o estudante do caminho prazeroso da leitura literária.
E, nesse
sentido, não podemos deixar de retomar aqui a reflexão de Rubem Alves a
respeito do prazer da leitura:
[...] de tudo o
que as escolas podem fazer com as crianças e os jovens, não há nada de
importância maior que o ensino do prazer da leitura. Todos falam na importância
de alfabetizar, saber transformar símbolos gráficos em palavras. Concordo. Mas
isso não basta. É preciso que o ato de ler dê prazer.
As escolas
produzem, anualmente, milhares de pessoas com habilidade de ler mas que, vida a
fora, não vão ler um livro sequer. Acredito piamente no dito do evangelho: “No
princípio está a Palavra...” É pela palavra que se entra no mundo humano.
(ALVES, 2008, p. 61)
Portanto, não se
deve imaginar a leitura da Literatura no Ensino Médio como um jogo de cartas
marcadas, como apenas o cumprimento, página após página, do conteúdo programático
apresentado pelo livro didático. Ao contrário, o estímulo à leitura deve ser
uma constante, e sempre de forma a possibilitar que não seja um exercício de
análise da mensagem subentendida, mas sim um passaporte para a viagem
metafísica que o leitor tem direito a fazer (escolhendo o meio de transporte, a
classe, a duração e sem destino predefinido). Conforme nos aponta Luzia de
Maria, em seu livro O clube do livro: ser leitor – que diferença faz?,
“conhecer a Literatura é ler a Literatura, não é decorar dados e datas a seu respeito”
(MARIA, 2009, p.121).
Entretanto,
também é preciso ter cuidado com as indicações de obras literárias, principalmente
com relação à fixação destas escolhas apenas nos cânones literários. Já há vários
estudiosos que apontam para uma abertura maior e mais flexível nessa escolha de
títulos, não se fechando apenas entre obras clássicas. Afinal, toda leitura é
válida neste momento de iniciação literária, como apontou José Mindlin, em No
mundo dos livros:
[...] a leitura
é um mundo de liberdade intelectual. É quase irrelevante que as primeiras
leituras tenham, ou não, a assim chamada ‘qualidade literária’, embora
obviamente quando a tiverem será preferível. A seleção vem com o tempo, o
importante é que as pessoas adquiram o hábito de leitura (MINDLIN, 2009, p.
17).
Luzia de Maria
diz não achar justo que se espere que estudantes que tiveram pouca ou nenhuma
leitura de obras literárias comecem a ler pelas “obras-primas” (MARIA, 2009, p.45).
E acrescenta:
[...] nenhum
leitor nasce lendo Fernando Pessoa ou Guimarães Rosa. Até porque é preciso
maturidade de leitor para apreciar os mestres. Prefiro ver um adolescente
lendo, feliz, Harry Potter do que vê-lo sendo obrigado, pela escola, a ler um
romance qualquer de Machado de Assis, por conta de ser seu centenário, e
odiando, por tabela, qualquer leitura. (MARIA, 2009, p. 159)
Em se tratando
de Literatura, o objetivo deve ser propiciar ao aluno o desenvolvimento da
visão crítica do mundo e habilidade de leitor proficiente dos diversos gêneros representativos
de nossa cultura. Porém, apesar de abrir novos horizontes, estimulando a formação
crítico-participativa dos alunos, essa proposta, na maioria das vezes, não sai
do papel ou do discurso.
E a grande
pergunta que fica é: por que esse panorama do ensino da Literatura no Ensino
Médio continua tão angustiante se a maior parte dos professores já tem
consciência de todos esses dados levantados aqui? Por que eles ainda insistem
em manter a metodologia tradicional de ensino da Literatura, partindo do estudo
da periodização literária e fixando as leituras apenas em fragmentos de obras
consideradas cânones literários?
Será que uma
resposta para isso está na questão desse professor não ser efetivamente um
leitor? Mas é possível conceber a ideia de um professor de Literatura não ser
um leitor de Literatura?
E, neste ponto,
entramos em uma questão bastante preocupante: como pode um professor ser
formador de leitores se ele mesmo não é um leitor? Parte-se do pressuposto de que
para formar leitores é preciso, antes, constituir-se leitor.
De acordo com
Fabiane Burlamaque, diversas pesquisas com foco na questão da leitura no Brasil
mostram que muitos professores são não leitores (BURLAMAQUE, 2006, p. 82) e
isso é lamentável, pois “[...] a experiência leitora do professor é um dos
componentes imprescindíveis no trabalho que ele desenvolverá em sala de aula
com o objetivo de formar novos leitores literários” (BURLAMAQUE, 2006, p. 83).
A respeito desse assunto tão
complexo, Luzia de Maria também traz sua reflexão:
[...] é
necessário que o professor seja um leitor [...], um bom leitor. Que tenha uma
rica bagagem de leitura. E aqui reside um dos grandes problemas da educação no
país, acho que certamente o maior dos problemas: boa parte dos professores que
saem das faculdades, formados nos cursos de letras ou pedagogia, ostenta um
diploma de licenciatura, mas infelizmente não são leitores. [...] Enquanto os
alunos-futuros-professores não construírem suas histórias de leitor, enquanto
não enraizarem em suas vidas a leitura como prática emancipatória, a leitura
como espaço de conhecimento e experiência, enquanto não se tornarem leitores autônomos,
leitores plenos, pouca condição terão de formar leitores em suas salas de aula.
Formar leitores deve ser prioridade, porque é uma questão estratégica para o
desenvolvimento de um povo. (MARIA, 2009, p. 160-161, grifo nosso)
Como podemos
pensar que um professor que não lê pode introduzir seus alunos nesse mundo
literário? Como esse docente, não leitor, poderá orientar esse aluno que ainda
não possui um repertório de leituras, que não tem referências e, portanto, não
sabe por onde ingressar naquilo que, para ele, ainda é algo totalmente novo e
fora de sua realidade? Para Maria (2009) “[...] um dos obstáculos para o
sujeito começar a ler é justamente ele não saber por onde começar; é a angústia
de chegar a uma livraria ou a uma biblioteca e não saber o que escolher [...]”
(MARIA, 2009, p.17).
E o fato de não ser leitor irá
afetar o compromisso desse professor em formar leitores em suas aulas:
[...] o
professor que “escolhe” não ser um leitor da arte, um leitor de Literatura,
reflete em sala de aula suas opções. Consequentemente, cairá em contradição
quando cobrar de seu estudante um posicionamento leitor. O professor que não
tem envolvimento com esse tipo de texto anuncia-se como um profissional
distante da cultura e restrito à sua ação pedagógica. (LOIS, 2010, p. 76)
Esta questão de
professor não leitor é muito inquietante; todavia, não se pode jogar toda a
responsabilidade dessa postura não leitora exclusivamente nas costas dos
professores como sendo apenas o resultado de uma escolha pessoal. É necessário
investigar as causas desse ‘abandono’, buscar entender por que isso acontece e,
ao mesmo tempo, procurar estabelecer meios de recuperação desse
professor-leitor.
Dentre as
inúmeras possibilidades de identificação das potenciais causas desse problema,
destacamos: a deficiência já na formação desses professores, com grades curriculares
de cursos universitários bastante ultrapassados e com a falta de foco na
formação desse futuro professor como leitor literário; a falta de reconhecimento
e valorização do profissional professor, o que acaba desmotivando o mesmo; a
baixa remuneração que, em alguns casos, obriga o professor a ter um número de
aulas muito grande, fazendo com que não disponha de tempo livre suficiente para
seu aperfeiçoamento pessoal e profissional; a cobrança penosa de alguns
processos seletivos de ingresso em universidades (o temido vestibular), que
impõe conteúdos obrigatórios, ainda, ultrapassados ou sem valorização do papel
social da leitura; dentre outras causas.
De fato, todo
esse levantamento é real e influi de forma bastante negativa na constituição do
professor leitor, entretanto, não se pode usar isso como desculpa ou amparo para
se permanecer estagnado; é preciso, de alguma maneira, procurar lutar contra
esses impasses, estabelecendo propostas que venham a contribuir com o grande
objetivo aqui colocado: a constituição do professor leitor para buscar a
formação de leitores.
E, além disso, é
preciso também discutir o que se está lendo nas salas de aula do EM. E com qual
objetivo se dão as escolhas dessas leituras: se são apenas para cumprir um programa
didático ou se realmente visam à formação do leitor.
O cânone
literário x estímulo à leitura no ensino médio – uma verdade que incomoda
Observando
tantas pesquisas e trabalhos que veem sendo discutidos na academia a respeito
da formação do leitor, uma inquietação sobre a leitura de Literatura no Ensino
Médio desponta de forma acentuada: por qual motivo a Literatura brasileira
contemporânea ainda não está no centro das leituras realizadas na escola?
Antes de nos
fixarmos na análise do motivo que leva o professor a continuar trabalhando com
uma estratégia didática já considerada ultrapassada, propomos uma breve reflexão
a respeito do cânone literário.
O que
enquadramos no conceito de cânone literário são obras de renomado valor estético
e cultural de uma sociedade. Entretanto, esse conceito é muito amplo e também
muito complexo, tendo em vista que teríamos que ter claros todos os critérios
de atribuição de valor para então estabelecermos quais obras seriam
consideradas clássicas, para cada sociedade analisada.
Italo Calvino,
em Por que ler os clássicos, relaciona uma série de propostas de definição para
os ditos clássicos e, dentre elas, pontua que “[...] são aqueles livros que
chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e
atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram
[...]” (CALVINO, 2007, p. 11). Ou seja, obras de valor atemporal.
Todavia, a questão
do cânone literário traz muitas controvérsias, principalmente se formos entrar
na discussão de como foram estabelecidos os critérios de inclusão (ou exclusão)
de obras literárias nessa classificação.
Não estamos
sugerindo, de forma alguma, a renúncia do cânone (é evidente a sua importância),
no entanto seria interessante repensar sua abertura, estabelecendo parâmetros menos
centralizados, procurando respeitar a diversidade e as diferentes tradições
literárias.
Já se sabe que a
leitura dessas obras clássicas da Literatura na escola, em determinados
momentos, pode deixar de interessar o aluno pelo seu distanciamento tempo/espaço
na relação obra/leitor. O jovem, geralmente, identifica-se melhor com textos que
trazem algo de sua realidade, pois assim a leitura vai ao encontro de suas
experiências, e, por isso, apostamos num trabalho de introdução da disciplina
de Literatura no Ensino Médio a partir da leitura de textos contemporâneos.
Uma aposta na Literatura
contemporânea
Numa
possibilidade de melhorar esse contexto, visando à formação de leitores, acreditamos
que a leitura será benquista pelos alunos se os textos se relacionarem, de
alguma forma, com a realidade que os cerca, e com seus interesses. Uma vez que
consiga se reconhecer e reconhecer “seu mundo” nas leituras propostas pela
escola, o aluno poderá encontrar a motivação necessária para vir a se tornar um
leitor e, assim, as leituras realizadas poderão agregar mais conhecimento à sua
vida, como Gizelle Corso e Josiele Ozelame comentam: A leitura de textos por
lazer/prazer permite que os alunos estabeleçam relações com outras áreas do
conhecimento, extraindo diferentes conteúdos, fazendo diversas conexões a
partir de suas experiências do dia a dia. (CORSO; OZELAME, 2009, p. 72)
Pensando nisso,
uma proposta fundamentada na Estética da Recepção poderia introduzir esse
aluno, no mundo literário, de uma maneira gradativa, primeiro estabelecendo uma
relação com o horizonte de expectativa do discente, fazendo uso de textos com
temática e linguagem mais próximas de sua realidade, para depois, aos poucos,
ir ampliando seu repertório.
Nessa mesma
perspectiva, José Luís Jobim aposta numa espécie de “gradação textual” como
método de inserção da Literatura na vida escolar, de forma a fazer com que o aluno
se sinta mais à vontade com os textos e possa, gradativamente, ir aperfeiçoando
e alargando seu horizonte de leituras:
A introdução do
texto literário em classe deve sempre ter em conta o universo dos seus
receptores, estabelecendo, se for o caso, uma “gradação textual” para trazer ao
público estudantil primeiramente o que for mais fácil para ele, para depois,
paulatinamente, chegar ao mais difícil [...] a partir do momento que
despertamos a atenção do educando para a Literatura, a partir de textos mais
“fáceis”, poderemos, com melhor efeito, introduzi-lo no mundo das linguagens
mais “difíceis” (por exemplo, a do Barroco), ou no mundo dos temas que não
fazem parte (ainda) de seu universo. (JOBIM, 2009, p. 117)
O dia a dia da
sala de aula, principalmente na disciplina de Língua Portuguesa/Literatura,
pode ser tornar notoriamente desestimulante e massacrante, tanto para o aluno,
como para o professor, se não houver a insistência diária no desenvolvimento de
um processo ensino-aprendizagem mais interativo e estimulante.
O professor
precisa sempre buscar novas alternativas de ensino e de inserção do conteúdo
aplicado no mundo real para que o aluno possa se motivar com as quebras de rotinas
e entender a importância do estudo para o seu desenvolvimento enquanto cidadão.
A partir de toda
essa reflexão, nossa sugestão, então, é que o professor inicie o trabalho com a
Literatura a partir da leitura de textos contemporâneos, que estejam mais próximos
à realidade dos alunos, evitando, assim, aquele bloqueio inicial que se cria ao
apresentar a Literatura ao estudante a partir de textos do trovadorismo,
classicismo, barroco etc. Fazendo um caminho contrário, partindo do mais
contemporâneo, esse professor pode vir a conquistar o aluno e, após certa
maturidade de leitura, este terá bagagem para ler uma obra clássica,
compreender e apreciar, ou renegar, mas já com argumentos sólidos para isso. Mas
para tanto, é imprescindível que o professor abandone o preconceito destinado a
‘certos tipos’ de leitura, como coloca Heloisa Seixas, em O prazer de ler
(2011):
Não se deve ter
preconceito quando um jovem manifesta interesse por um tipo de livro. Qualquer
livro é melhor do que livro nenhum. Um exemplo: a crença de que jovens se
assustam com “livros grandes”, com muitas páginas, foi por água abaixo quando
começou o fenômeno Harry Potter. Pode quem quiser falar mal do bruxinho inglês,
mas a verdade é que ele fez muitos meninos e meninas perderem o medo de ter na
mão um livro de trezentas páginas ou mais. Isso é um feito.(SEIXAS, 2011, p. 9,
destaque do autor)
Depois desse
primeiro contato literário, pressupondo uma maior aproximação do aluno com a
Literatura, sem os bloqueios causados pela tentativa enfadonha e maçante de
iniciar esse estudo pela mera apresentação de informações da periodização
literária, acredita-se que o aluno terá maior receptividade com outros textos
literários, uma vez que já terá uma certa intimidade.
A partir desse
momento de amadurecimento como leitor, o aluno já terá condições de ler,
compreender e apreciar outras obras literárias, consideradas por ele, a
princípio, mais complexas e, dessa maneira, estabelecer as relações necessárias
para o entendimento da história da Literatura, verificando que não existe uma
separação, propriamente dita, da obra, do autor e do contexto histórico-social,
tendo em vista que eles se complementam na análise literária.
Todas essas
mudanças são válidas e possíveis, entretanto exigem um repensar geral no ensino
da leitura da Literatura. Regina Zilberman (1988) mostra que a escola tem poder
para promover essas mudanças e fazer da leitura um instrumento de libertação
dos leitores.
E findando esta
proposta de reflexão a respeito da formação de leitores no Ensino Médio,
trazemos aqui uma citação bastante pertinente, da Professora Tânia Ramos, para pensar
o trabalho com a Literatura contemporânea em sala de aula: O espaço da
Literatura contemporânea é aquele onde o professor mais do que nunca tem que se
comportar como leitor. Ele não tem como se valer (ou se repetir) de uma fortuna
crítica canônica e canonizadora. Mas ele tem como tentar exercer a sua força
interpretadora e o seu potencial criativo no salutar exercício da leitura
inaugural. O professor diante de um texto contemporâneo tem, ele mesmo, que
responder à esfinge: decifra-me ou te devoro. (RAMOS, 2002, p. 27)
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formação do professor. In: TURCHI, Maria Zaira; SILVA, Vera Maria Tietzmann.
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Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
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ZILBERMAN,
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